23 agosto 2008

O CEGO



Querida e imaculada Clara,


Só agora consegui lhe escrever para contar o que se passou quando fui visitar o cego vidente. Você sabe que eu nunca acreditei nessas coisas e até hoje não sei como fui parar num lugar daqueles. Mas para mim tudo começou a fazer sentido assim que parei em frente à porta do velho casebre. Ouvi uma voz, que vinha do lado de dentro: "Estou vendo que tem gente com medo de entrar. Venha, venha mais fundo. Temos que ter mais intimidade com a morte".

Abri a porta e fui entrando bem devagar porque, confesso, realmente estava assustado.

O ambiente cheirava a mofo e, quando meus olhos se acostumaram com a escuridão, pude
enxergar o cego sentado em sua cadeira de balanço. Foi então que perguntei: "Quanto tempo ainda tenho de prazer nessa vida?"

Ele ficou imóvel e calado, me encarando como se pudesse me ver. Aos poucos, uma expressão indefinível foi estampando o seu rosto. Comecei a sentir dores terríveis por todo o corpo e uma sensação esquisita tomou conta de mim. As dores eram insuportáveis e uma inexplicável e brutal transformação aconteceu comigo.

Não vejo a hora de lhe encontrar, para que você mesma veja os detalhes dessa minha estranha metamorfose.

Só quero que você saiba, Clara, que estou mudado, muito mudado, mas estou cada vez mais igual.

...

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