30 junho 2008

EM NOME DE ELKHA RHAMÁ


O relógio marca 14 horas quando Anerlinda, descalça e vestindo uma longa túnica branca toca a campainha da casa de número 69 de uma rua tranqüila.
Quem atende à porta é um senhor de setenta e poucos anos, calvo e de barba grisalha. Com uma mão na maçaneta e a outra no bolso do roupão azul desbotado e cheirando a urina, ele a encara com olhar aborrecido.
Com as duas mãos ela levanta, reverente, acima da própria cabeça, uma pequena garrafa que contém um estranho líquido amarelento. E pronuncia algumas palavras, em tom reverente:
- É curta a distância entre o paraíso e o inferno, o amor e o ódio, a glória e o esquecimento. Não há divindade além de Elkha Rhamá e tu és o nosso mestre e profeta, adorado La Rhiva.
Mal acaba de falar, Anerlinda destampa a garrafa, toma um gole e despeja o resto do gosmento líquido nos pés do velho, que começa a praguejar feito doido e a expulsa dali aos berros.
Ela corre, amedrontada, e percebe que fez confusão com os números ao ver um grupo reunido em frente ao número 96 da mesma rua. Todos louvam o grande mestre e fazem o ritual da garrafa, menos Anerlinda. Por ter derramado o precioso líquido nos pés de um velho ateu, pelo resto da vida ela será amaldiçoada.

Um comentário:

Anônimo disse...

Sergio,
fiquei muito feliz em me deparar com tanta coisa boa, boa de verdade no seu blog.Coisas que fazem a gente pensar com prazer que a vida também é aquilo que não nos aprisiona. Que podemos e devemos sobreviver, mesmo e apesar de não se sabe direito "o que". Pq "o que" é "o que" de cada um.Cada de um de nós que busca e acredita em si e em naqueles que ama.Que acredita nesse mundo cheio de exigências que vc as x não sabe se dá conta de cumprir,mas tb cheio, cheio mesmo de bons momentos, de coisas feitas e que foi vc quem fez. E fez pq só vc poderia, mais ninguém...Como esse seu blog, sua arte. Parabéns cunhado!!! E olha só o seu filho seguindo seus passos, mas construindo o próprio caminho, se fazendo herdeiro de sua sensibilidade.
abraço,
CINI