09 julho 2008

NAVIO NORUEGUÊS

“Você está atrasado”, resmungou Asdrúbal, abandonando o seu bom humor habitual. E, apontando a caneta para mim: “Isso me estressa, você sabe que eu prezo a pontualidade”.
Tentei botar a culpa no taxista, mas vi que era perda de tempo. Ele voltou a rabiscar os papéis e eu passei os olhos pelo minúsculo e caótico escritório, abarrotado de pinturas desbotadas, livros aos pedaços, estátuas balinesas e muitas fotos espalhadas sobre a mesa, que me chamaram a atenção. Perceb
endo o meu olhar curioso, juntou as fotos e colocou, de maneira desajeitada, num envelope pardo.
Fiquei ali uns vinte minutos, mostrei a carta que ele me pediu e fui liberado. Quando abri a porta e saí, me fotografaram. O flash me assustou. Estava sozinho e fiquei com medo de desmaiar, como das outras vezes, mas só caí e machuquei o joelho. Tanto medo assim tem explicação: há cinco anos, ao abrir a mesma porta, dei de cara com um sujeito grandalhão e com mau-hálito, que me deu uma porrada no peito. Fiquei um tempo inconsciente, e quando recuperei os sentidos, ele me disse: “Aprendi com os bichos a viver em harmonia e a tirar deles só o necessário”. Se mandou e eu fiquei estendido no chão.
No dia seguinte ao meu encontro com Asdrúbal, embarquei num navio norueguês de sismologia. A tripulação passou a viagem toda entoando uma cantiga que acompanhava o ritmo das ondas, o que me deixava ainda mais enjoado.
No terceiro dia começou a nevar.
Vesti minha roupa antitérmica e só então percebi, estarrecido, que tinha esquecido as meias.

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